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Porque (não) choro? Luto, género e diferentes expressões
Porque (não) choro? Luto, género e diferentes expressões
Pedagogia | Fonte: PIN - Centro de desenvolvimento
Nas últimas décadas têm havido variadas mudanças, não só na forma como conceptualizamos o luto, mas também nos papéis que homens e mulheres têm nas suas famílias e na sua comunidade. Contudo, mantêm-se diferenças importantes nas estratégias de regulação emocional, assim como no processo de luto. É importante termos em conta estas diferenças, quer estejamos nós a passar por uma perda, quer a testemunhemos noutra pessoa (amigo, familiar, paciente, etc.).
Diz-nos a experiência clínica que a tristeza, a saudade, o vazio, estão frequentemente presentes após uma perda significativa independentemente do género. As diferenças residem assim, não tanto no impacto emocional, mas sim no que fazemos com estes sentimentos: como os gerimos dentro de nós e como os expressamos.
No geral, as mulheres recorrem mais a apoio social, seja através de amigos, família, grupos de apoio, psicoterapia. Mostram também uma maior aceitação da expressão emocional, permitindo-se com mais facilidade a sentirem-se tristes, por exemplo. Tendem, igualmente, a retirar mais conforto em rituais de manutenção da relação com a pessoa perdida, como idas ao cemitério, manter objetos e pertences da pessoa, entre outros.
Já a generalidade dos homens acredita que devem ser fortes e devem ser capazes de resolver tudo de forma autónoma. Podem crescer com a ideia de que é importante estarem preparados para qualquer desafio e conseguir superá-lo ou com a ideia de que devem proteger a sua família e os que lhe são chegados. Já a expressão emocional tende a ser vista como sinal de fraqueza e é-lhes difícil contactarem com a sua vulnerabilidade. Assim sendo, tendem a refugiar-se no trabalho, como forma de evitamento e de proteção às suas próprias emoções dolorosas, mas também como forma de proteção do sofrimento que testemunham na pessoa que lhes é chegada (ex. esposa). Podem, por isso, ter mais dificuldade em pedir e aceitar ajuda e tendem a envolverem-se em mais comportamentos de risco (ex. consumos) e maior probabilidade de uso de retaliação e violência.
Muitas destas formas de lidar com emoções difíceis, integram em si mesmas crenças importantes sobre o que se é ou não capaz e/ou adequado expressar. Importa assim olharmos para dentro de nós e darmo-nos conta das mensagens que surgem. Algumas mensagens como “Não gosto que me vejam a chorar”, “Tenho que sofrer sozinho/a”, “Não suporto vê-lo/a chorar”, “Não vou incomodar os outros com a minha dor”, “Se começo a chorar, não vou conseguir parar”, “Não tenho o direito a zangar-me”, “A tristeza é perigosa”, não são promotoras de uma regulação emocional tolerável e de um contacto produtivo com as emoções, nossas ou dos outros.
Ainda, constatadas as diferenças de género, é importante refletirmos sobre o potencial de complementaridade das mesmas. Na verdade, modelos amplamente reconhecidos na área do luto defendem como aspetos de uma verdadeira integração e adaptação à perda o foco nas emoções e recordações associadas à pessoa perdida (o luto dito mais “feminino”) mas também o foco na funcionalidade, nas tarefas do dia-a-dia, cuja realização pode estar dependente da redução da intensidade emocional (o luto dito mais “masculino”). Pois, perante um acontecimento anti-natura, como o são a maior parte das perdas significativas, há que manter alguma sensação de normalidade e mestria no mundo.
Assim, é importante reconhecermos que não há receitas perfeitas para fazer o luto nem tão pouco nenhum dos focos (emoções vs. funcionalidade) tem primazia sobre o outro. Por outro lado, quando perdemos alguém, sabemos que não é um processo linear. Sabemos também que não é algo que se “ultrapasse” ou que se “resolva”. Trata-se, sim, de uma experiência que integramos dentro de nós, nas nossas vidas que se quer que se expanda para além da mesma. Somos mais do que as nossas perdas, mas estas fazem e farão sempre parte de nós. E quer-se que este caminho não seja vivido isento de reflexão pessoal e reconhecimento da experiência interna, que permita a ampliação de estratégias de regulação emocional e, sobretudo, que não seja feito de forma solitária, escondida. Que seja um caminho em que se possa sentir acompanhado pelos seus.
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