Título
DOCE CONFINAMENTO
DOCE CONFINAMENTO
Pais e Filhos
Mais uma moeda, mais uma voltinha. Desta vez o confinamento foi adoçado com uma leve cobertura que pretende torná-lo mais apetecível: a cobertura das “férias escolares”. Isso mesmo, desta vez não estamos em modo telescola – ou pelo menos, foi o exigido pelo nosso Governo – e, nos próximos quinze dias, as nossas crianças estarão de férias... confinadas em casa... connosco!
As crianças não querem perfeição, só honestidade. É essencial que cuide de si para que possa cuidar deles. É necessário afastarmo-nos (e a elas também) do engarrafamento constante de notícias que abafa os nossos pensamentos e elimina qualquer gota de esperança que podíamos ainda ter. Temos de passar a abraçarmo-nos a nós próprios, porque também é importante - e agora mais do que nunca, talvez.
Temos de nos habituar a que a sala ou a cozinha sejam novamente os nossos escritórios e nós, novamente, mais ou menos, gestores do nosso tempo – o que, já vimos, implica uma grande disciplina. Temos de relaxar e não nos deixarmos incomodar com os brinquedos fora do sítio ou a loiça por lavar. Temos de nos permitir sentir o que há dentro de nós, que pode ser ansiedade, frustração, solidão, zanga, impotência, angústia, tristeza, preocupação ou tudo junto com muito mais ainda. Só depois de reconhecermos e aceitarmos aquilo que se tem vindo a passar dentro de nós, depois de reconhecermos as nossas fragilidades e as nossas conquistas, é que podemos verdadeiramente olhar para os outros que habitam connosco.
É expetável que haja, em todos nós, alterações emocionais e comportamentais no sentido de expressar a dificuldade em entender, aceitar e ajustar a esta realidade. Por dentro a base é o medo, mas por fora as crianças e adolescentes podem tomar qualquer comportamento imaginável, que pode variar entre gritar, tremer, fugir, ficar especialmente calado, fazer disparates, esconder-se, agarrar-se, fazer birras ou tentar evitar um ambiente ou evento stressante. Quando estamos perante crianças com já alguma dificuldade em aceder e pensar sobre o que estão a sentir, estas alterações na sua vida podem levar a que os comportamentos que já existiam se acentuem – como a grande agitação psicomotora que tanto preocupa muitos pais. Cada criança reage de uma forma diferente e precisa de coisas diferentes e, por isso, exige diferente dos pais.
Seja compreensivo e paciente, e tente perceber junto delas o que sentem. Assegure-lhes que gosta delas, independentemente das suas reações, e que não as abandonarão. Nesses momentos de crise, se for possível, fique com eles um pouco e dê-lhes a oportunidade de escolher algo para fazerem juntos, quer seja brincar às casinhas, ler um livro ou ver um episódio de uma série - o melhor consolo é o colo!
Aceite que vivemos tempos diferentes que necessitam de medidas extraordinárias – não se repreenda nem se sinta culpado, porque é normal aumentar o tempo com as tecnologias e, por vezes, são mesmo necessárias para que consiga fazer o seu trabalho. Lembre-se: eles podem estar de férias, você (provavelmente) não! Para que consiga trabalhar, é necessário que algumas rotinas se mantenham. Aliás, é importante manter as rotinas, em particular para as crianças mais pequenas. Por exemplo, vestir todos os dias (úteis!), manter os horários das refeições, das sestas e da hora de ir para a cama. Não é obrigatório uma rigidez, simplesmente o necessário para o normal funcionamento das crianças e da vida familiar. Não se esqueça, são férias e, por isso, não há a necessidade de forçar momentos de aprendizagem. Não tem de lhes estar a ensinar a matéria ou rever a passada. Tem o seu trabalho para fazer, as suas responsabilidades, as suas tarefas e as crianças poderem perceber claramente quando o pai e a mãe estão a trabalhar e quando estão mais disponíveis para elas, é uma grande ajuda (para elas e para si!).
A rotina deve incluir tudo: tempos para trabalhar, tempos para se alimentar, tempos para descansar e tempos para estar. Guarde um tempo exclusivamente para suas crianças. Um momento em que a atenção e o foco principal são elas. Deixe nas mãos delas decidir o que fazer, poderá ir desde não fazer nada a uma atividade mirabolante.
Pode ser um momento exterior onde, com toda a segurança, possam apanhar ar ou chuva e, quem sabe, correr um pouco ao sabor do vento. Na falta de ideias, as melhores atividades são as expressivas nas quais uma folha de papel e umas canetas salvam o dia e deixam os sentimentos sair. Seja a desenhar, a fazer concursos de retratos, a jogar à forca ou ao jogo do galo, a criar histórias, tudo ajudará a lidar com os sentimentos que andarão enrolados dentro deles (e de nós?). Se pretende abraçar o mundo digital, há uma série de teatros, leituras de livros e oficinas a acontecer pelo país fora e que podem entrar em sua casa através do seu ecrã. Para os mais energéticos, porque não uma caça ao tesouro ou um jogo das escondidas? E, não esquecer os famosos jogos de tabuleiro. Mais do que educadora ou professor ou animadora, eles precisam da mãe/pai/avó/avô para os confortar e lhes transmitir que tudo vai passar, eventualmente, e, até lá, estarão juntos.
Não tem de entreter as crianças a toda a hora. Não tem de estar sempre a brincar com elas ou a planear atividades. Elas precisam de espaço e de treinar a sua criatividade. Se as crianças têm alguma dificuldade em estar e brincar sozinhas, não tem mal – é então tempo de trabalharem essa capacidade tão importante. Aborrecerem-se faz parte e são necessários momentos esses, para depois serem capazes de voltar a regular-se. Lembre-se que a frustração faz crescer, promove a criatividade e a construção a autoestima. As crianças precisam de desafios que as estimulem e exijam delas respostas e adaptações. Não ficaram decerto sem opções, acredito que terão uma série de brinquedos que usarão criativamente – aliás, os brinquedos são mais multifunções do que imaginamos e, por norma, somos nós adultos que mais fechamos a imaginação na sua utilização.
Nestes tempos, tudo parece muito castrador e (ainda) não estamos habituados. Somos invadidos por uma negatividade tal que nos enche e preenche. Continuamos invadidos pelo medo, por nós, pelos nossos, pelos outros como se calhar nunca tivemos. A palavra “morte” impõe-se mais vezes na televisão e na nossa cabeça do que alguma vez desejámos, e isso, não podemos negar! O mais importante não é entreter as crianças no confinamento e muito menos transformar-se em educador ou animador em função disso; o mais importante é aquilo que as faz sentir nesse tempo e não tanto as atividades que criou. Se em algum momento sentir que a criança está muito diferente daquilo que, habitualmente é, não hesite em contactar um técnico especializado - todos podemos ir abaixo nestes tempos, se nós estamos a sofrer, imagine as crianças?
Autor:
Márcia Arnaud, Psicóloga Clínica e da Saúde
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