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A verdade da mentira
A verdade da mentira
Opinião | Sónia Gaudêncio, Psicóloga Clínica
Já todos nós mentimos em algum momento das nossas vidas e todos nós sabemos também que as crianças também mentem, umas mais do que outras e por variadas razões.
Mentir faz parte do desenvolvimento infantil e nem sempre é preocupante, embora seja preciso estar atento à frequência e intensidade com que isso acontece, à intencionalidade, aos motivos e ao contexto. Se a criança começa a mentir de forma repetida e excessiva relativamente a um determinado assunto ou numa determinada situação é porque algo está mal, sendo um sinal de alerta.
Mas porque mentem as crianças?
Poderia dizer-se que as crianças mentem pelas mesmas razões que os adultos, o que muda é a complexidade da mentira. Daí este ser também um sinal de alerta quando as mentiras das crianças deixam de ser “inocentes” e começam a ser já muito elaboradas e complexas, trazendo consequências e implicações mais sérias. Habitualmente, as crianças mentem:
- como forma de proteção (para não ficarem de castigo, não assumindo algo que fizeram de errado);
- para fugirem das suas responsabilidades (ex.: dizer que não têm T.P.C.);
- para não desiludirem e/ou preocuparem os adultos;
- para tornarem uma situação, uma história mais interessante perante os amigos e até mesmo os adultos (ex.: podem-se gabar de ter ou fazer algo que não corresponda à verdade);
- para chamarem à atenção, só para sobressaírem;
- para conseguir algo que querem (ex.: dizer ao pai que a mãe os deixou comer o chocolate, quando isso não corresponde à verdade).
Temos que nos lembrar também que no caso das crianças mais pequenas muitas vezes nem se trata de uma mentira, visto que ainda confundem a realidade com o seu mundo de fantasia. Por isso, quando analisamos as mentiras das crianças temos que perceber qual a razão daquela mentira e que função tem para as crianças para perceber a gravidade das mesmas.
Assim sendo, como deve reagir às mentiras das crianças?
Não existem soluções mágicas para acabar com as mentiras. Cada criança é única e tem razões distintas para mentir; entender o porquê da mentira é o primeiro passo para construir relações de confiança com os mais pequenos.
1. Converse com a criança
Deve começar por conversar com a criança precisamente para perceber o que foi dito acima e qual o entendimento da criança face à situação, se a mentira foi intencional ou não e qual a sua motivação. É importante ouvir sem julgar, mas transmitindo a mensagem das consequências e implicações da mentira (ex.: perca de confiança, efeitos negativos que pode trazer para si e para os outros). Neste diálogo deve-se ajustar a linguagem ao entendimento da criança, recorrendo nomeadamente a episódios de algumas histórias infantis (ex.: Pedro e o Lobo) e/ou situações do dia-a-dia para concretizar e ajudar ao entendimento da criança das desvantagens da mentira. Podem utilizar pequenos trechos da série favorita da criança para analisar o comportamento dos personagens que mentiram e das implicações e consequências dessa mentira.
2. Dê o exemplo
Fica mais difícil exigir às crianças que não mintam se elas estão habituadas a ver os pais a mentir, mesmo que seja em situações simples, como por exemplo, dar uma desculpa como pretexto para recusar um convite. É que se assim o fizer as crianças vão assimilar que essa atitude é natural e aceitável. Por isso, os adultos devem ter atitudes coerentes com o discurso de aversão à mentira, servindo de exemplo.
3. Estabeleça uma relação de confiança
É importante que o ambiente familiar promova a confiança, e que a confiança que as crianças depositam nos pais seja maior do que o receio de ficarem de castigo, pois isso fará com que, mais facilmente, contem a verdade e assumam que fizeram “asneira”, por exemplo. Por isso, por maior que tenha sido a asneira, antes de se mostrar zangado, valorize o facto de a assumirem, de serem sinceros, realçando até que esse comportamento poderá minorar as consequências negativas que eventualmente iriam ter. “Não gosto do disparate que fizeste, mas fico muito contente e orgulhoso por teres sido sincero e teres assumido, dizendo-me a verdade.” “Por vezes, todos fazemos “disparates”, o que achas que podes fazer diferente, da próxima vez, para que essa situação não se volte a repetir?”.
4. Tenha momentos especiais com os seus filhos (tempo de qualidade)
Por vezes, as crianças também mentem para chamar à atenção. E embora, o stress e a correria diária, não deixem sobrar muito tempo para dedicar às crianças, há sempre forma de organizar o dia, para que existam “momentos especiais”, nem que sejam 15 minutos diários para fazer algo com os seus filhos e lhes dar atenção plena (longe dos telemóveis, dos afazeres domésticos, etc.). Isso irá permitir com que a criança se sinta especial, amada, ouvida, compreendida e poderá ajudar, não só a estabelecer a tal relação de confiança, fortalecer o vínculo afetivo com os pais e evitar que a criança requeira a atenção de formas negativas.
Resumindo, nem sempre as mentiras das crianças são preocupantes, mas dependendo da frequência e intensidade, poderão ser um alerta de que algo não está bem. No entanto, há situações em que é mesmo necessário recorrer a ajuda de um profissional para que não se torne um padrão de comportamento ou quando há indícios de algo mais patológico. Acima de tudo, a melhor forma de lidar com as mentiras dos filhos é a construção de uma relação de confiança com eles, desde sempre.
Sónia Gaudêncio, Psicóloga Clínica e Diretora da ESTIMA +
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