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Regresso às aulas
Regresso às aulas
Opinião | Dr. Nuno Lobo Antunes, Neuropediatra & Diretor Clínico do PIN
Há sempre alguém, entre a massa de docentes com que nos cruzámos, que deixa uma impressão duradora, uma influência transformadora nas nossas vidas e que gostaríamos de emular.
Por ordem diria que a qualidade principal é a paixão pela matéria que se ensina. A transmissão aos alunos do prazer intelectual de um conhecimento que enriquece parte da nossa vida ou ilumina uma fração da inteligência. O professor tem de estar enamorado da sua disciplina. Como ensinar filosofia sem o gosto pela especulação metafísica, pela dialética de conceitos e ideias encrustadas no seu tempo, mas que parecem voltar nunca envelhecidas? Como ensinar Física sem ficar abismado pelo percurso do pensamento que levou a entrelaçar o espaço e o tempo, e a compreender que se regem pelas mesmas leis que terão feito cair a maçã na cabeça de Newton?
A segunda prende-se com a empatia com o aluno. Perceber que o modo de comunicar se deve ajustar a cada interlocutor, e ver no seu olhar ou postura, sinais de tédio ou entusiasmo e mudar de rumo, ou nele persistir, de acordo com a resposta. O objetivo é fazer com que a corda do nosso entusiasmo faça vibrar na mesma frequência a corda de quem nos ouve, sentimentos em consonância.
O terceiro é ter prazer em ensinar e ocupar o centro do palco. Pode ser uma audiência maior ou menor, mas há sempre um público e um holofote virtual que ilumina o personagem que ensina. Não se esconder desse foco de atenção e retirar dele prazer é importante para o próprio, mas também para quem escuta. O contador de histórias tem de gostar do papel que lhe cabe, centro de atenção de uma roda que lhe bebe as palavras.
Finalmente, quem ensina tem de gostar de ser ator. O gesto que sublinha uma emoção, o tom de voz que se eleva ou amacia. Tudo o que corresponde à arte de comunicar e estar em palco é importante para garantir a atenção do ouvinte, cuja capacidade de permanecer atento se reduz a cada minuto que passa. Também nesta qualidade se inscreve o sentido de humor, essencial para manter a audiência viva, e tornar mais próximo o laço que junta professor e aluno.
Tenho acompanhado alguns livros do secundário e, apesar do esforço gráfico, os que li são profundamente maçadores. Sei, por experiência própria, que se pode transformar um livro de estudo em leitura com prazer. Porque não sentir-se na escrita as qualidades que referi num orador?
Vivemos uma época em que as mudanças que a tecnologia arrasta são tão rápidas, que se torna difícil acompanhá-las. Tão mais difícil quanto maior é o fosso entre a geração que ensina e a que aprende. Fará sentido eleger “Os Maias” ou o “Memorial do Convento” como os textos obrigatórios? É que não creio que os adolescentes tenham o desenvolvimento cognitivo e cultural para saborearem, ou entenderem, porque são esses textos fundamentais. Sinto que é necessária uma lufada de ar fresco que aproxime as matérias e os instrumentos de ensino das gerações que percorrem o mundo com um movimento do dedo.
Uma palavra final sobre os temas sociais que não podem ser ignorados. O mundo está a ser abalado pelas alterações climáticas, por uma guerra que os jovens não têm possibilidade de compreender os motivos, por doenças novas que viajam à velocidade dos turistas, crimes de pedofilia escondidos pelos guardiões da moral. A identidade sexual dos jovens cresce em fluidez. Enquanto isto, a escola mantém-se afastada dos temas sociais, como se nada de diferente se passasse na vida das nossas crianças.
Tem de haver diferença entre uma escola e um museu.
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