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PHDA e mindfulness: da investigação à prática clínica
PHDA e mindfulness: da investigação à prática clínica
O mindfulness é uma estratégia milenar que tem ganho muita popularidade não só na comunicação social, mas também na investigação científica e na prática clínica em psicologia nas últimas décadas. Pela forma como se define (i.e., o foco no momento presente, de forma intencional e sem julgamento) parece à partida uma abordagem simples e pouco diferenciadora. Contudo, sabe-se que a mente humana foi evolucionariamente desenvolvida para estar no modo to do (que permite, de forma muito simplificada, planear o futuro e rever eventos passados) e não propriamente no modo to be (que se encontra ligada à experiência no momento presente, tal como ela é). Assim, compreende-se que a eficácia do mindfulness advém precisamente do facto de permitir interromper o funcionamento cerebral em rede de modo padrão (em inglês conhecida como Default Mode Network).
Ao permitir uma forma alternativa ao padrão automático com que lidamos com os nossos pensamentos e emoções, o mindfulness tem sido também conceptualizado por alguns autores como uma estratégia em si de regulação emocional. Tal justifica os vastos benefícios da aplicação de estratégias focadas no mindfulness na saúde mental que têm sido cientificamente comprovados em diferentes populações e faixas etárias (desde diminuição de sintomatologia psicopatológica, melhoria de indicadores de bem-estar, maior satisfação nas relações conjugais, utilização de estratégias parentais mais adaptativas, etc.).
Quando afunilamos a investigação na área do mindfulness em amostras clínicas com diagnóstico de PHDA, os resultados têm sido promissores. Teoricamente, tratando-se de uma condição clínica na qual o problema central está relacionado com as dificuldades em regular o foco atencional para aquilo que é mais relevante no momento presente (uma vez que é mais difícil inibir estímulos distratores devido à maior atividade do Default Mode Network), o mindfulness parece ser o antídoto perfeito.
O mindfulness permite o desenvolvimento de capacidades de autorregulação da atenção (isto é, prestar atenção à nossa atenção), potenciando a observação dos fenómenos internos e uma mudança na forma como nos relacionamos com eles (de forma distanciada, não fusionada e não reativa/impulsiva). De facto, investigações recentes têm mostrado que o efeito do mindfulness é maior na redução dos sintomas de desatenção, sobretudo em adultos, e que tem um efeito menor na redução dos sintomas externalizantes e do controlo inibitório (características mais presentes nas crianças comparativamente aos adultos com PHDA).
Em primeiro lugar, tanto o mindfulness como a PHDA parecem afetar os mesmos processos cognitivos e ativar as regiões pré-frontais do cérebro. Sabemos que a PHDA está associada a défices no funcionamento executivo (i.e., inibição, iniciativa, flexibilidade, planeamento, resolução de problemas, monitorização, regulação emocional) controladas pelo córtex pré-frontal. Por outro lado, a prática do mindfulness ativa funções como a atenção, a flexibilidade e o controlo cognitivo, também controladas pela mesma região do cérebro. Além disso, a investigação também tem mostrado que a prática de mindfulness aumenta os níveis do neurotransmissor dopamina (em défice num cérebro PHDA).
E em terceiro lugar, uma vez que a PHDA está frequentemente associada a outros problemas emocionais, relacionais ou académicos/profissionais, a prática do mindfulness poderá ser também benéfica na redução destas comorbilidades psicológicas.
Desde logo, é essencial que seja feita por um terapeuta creditado, capaz de adaptar as estratégias às características da pessoa, e de ajustar as suas expectativas. Tal como em qualquer intervenção psicoterapêutica, requer uma psicoeducação sobre o funcionamento do cérebro, particularmente aquele com PHDA, os seus produtos internos (pensamentos e emoções) e como podemos alterar a nossa relação com eles. E como esta não é a estratégia automática do funcionamento cerebral, requer um treino consistente e duradouro. Assim, o trabalho vai para além do consultório e deve ser levado para o dia a dia com exercícios práticos (ficando dependente de outras variáveis, como o envolvimento dos pais, no caso das crianças/adolescentes). A investigação também nos mostra que a aplicação de programas estruturados e em grupo é mais eficaz, pelo inerente efeito de experiência partilhada, mas estes nem sempre são viáveis.
Apesar das práticas formais serem feitas em formato de meditação, tal poderá e deverá ter diferentes contornos quer em crianças, adolescentes, ou adultos com PHDA. Assim, em crianças com PHDA a criatividade é a chave, e devem ser privilegiados exercícios breves que utilizem o movimento ou que ancorem a atenção a algo concreto (e.g., um objeto, sensações fisiológicas, órgãos dos sentidos). Já nos adultos, os exercícios poderão ser mais longos, com conteúdos imagéticos (uso de imagens visuais) ou metacognitivos.
Por último, importa esclarecer que a principal dificuldade geralmente associada à prática do mindfulness (ou da meditação) tem a ver com a expectativa que colocamos como objetivo dessa prática. No caso da PHDA isso é ainda mais evidente: o objetivo não é permanecer (longos) períodos sem nos distrairmos ou desfocarmos (ou tão-pouco tornarmo-nos pessoas zen!), mas sobre conseguir identificar esses momentos e redirecionar a nossa atenção de forma intencional, uma e outra vez. Esta será a mudança-chave que o mindfulness poderá trazer ao funcionamento de um cérebro PHDA.
Sendo o mindfulness uma estratégia de autorregulação das experiências internas com benefícios transversais à psicopatologia e ao funcionamento cerebral, é expectável que seja uma ferramenta útil também no contexto clínico da PHDA. Contudo, será importante compreender até que ponto tem implicações não só na sintomatologia psicopatológica comórbida, mas também no funcionamento central da PHDA.
Maria João Gouveia, Psicóloga Clínica
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