Das perturbações da eliminação até às perturbações do espetro do autismo

Sabemos que habitualmente por volta dos 2 anos de idade a criança apresenta maturidade fisiológica para iniciar este controlo. Contudo, existe uma margem de tempo para que a aquisição se estabeleça. É importante existirem balizas de tempo, documentadas na literatura, nomeadamente no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, DSM-5, para percebermos se a dificuldade na aquisição da competência ultrapassa o esperado e tem significado clínico. Sabemos que no caso do controlo da Bexiga é espectável ser realizado até aos 5 anos de idade e para o controlo do Intestino até aos 4 anos de idade.Será sempre fundamental iniciarmos a investigação através da consulta médica de Pediatria. Uma leitura aprofundada da fisiologia da criança é o início da compreensão dos fatores que possam explicar a condição. Após esta exploração inicial, onde possam ser solicitados exames médicos complementares (por exemplo, ecografia renal e vesical) parece-nos importante reconhecer o perfil de funcionamento da criança.

Tem sido verificada a relação entre as Perturbações da Eliminação e as Perturbações do Espetro do Autismo (desde um perfil subtil e ligeiro até um perfil com características mais marcadas e com maior impacto nas atividades de vida diária). Em concreto, parece ser mais evidente no que respeita ao controlo tardio do intestino, onde as queixas dos pais reportam, por exemplo, episódios de emissões involuntárias com manipulação das fezes e/ou retenção durante longos períodos de tempo.

Ao avaliar mais detalhadamente o perfil de funcionamento da criança, em consulta especializada de Psicologia, é fundamental detetar os sinais que podem conduzir a Perturbação do Espetro do Autismo. Algumas crianças apresentam uma restrição e seletividade alimentar importante, que poderá estar na base de uma alimentação deficitária em fibras e líquidos não facilitando o funcionamento do intestino. Frequentemente esta dificuldade promoveu uma experiência dolorosa associada ao ato de defecar e a criança começa a recusar este momento, retendo cada vez mais, o maior tempo possível as fezes.

A transição entre a fralda e o bacio ou a sanita é exigente, podendo ser alvo de dificuldades. Assim como a perceção de que defecar e, a higiene que se segue, deixa de ser apropriada noutros locais da casa, tornando-se a casa-de-banho o local adequado. Nas crianças com Perturbação do Espetro do Autismo é importante que a transição seja de imediato da fralda para a sanita, uma vez que a introdução do bacio exige mais uma alteração na rotina da criança.

Encontramos crianças com interesse na exploração sensorial das fezes e até da urina. Observam, tocam, exploram a textura, o cheiro e/ou a temperatura. Por outro lado, características do processamento sensorial, nomeadamente hipersensibilidades, pode afastá-las da casa-de-banho, do momento de defecar e da higiene associada. Ao questionarmos, apercebemo-nos da quantidade de estímulos que podem causar desconforto intenso: a temperatura da casa de banho e em particular da sanita; a sensação de água a tocar na pele ou o som da água quando as fezes são evacuadas; os cheiros; os sons dos canos; a luminosidade e a limpeza do local.

As Perturbações da Eliminação tornam-se assim um sinal precoce ao qual devemos estar atentos e explorar para uma deteção igualmente precoce de uma Perturbação do Espetro do Autismo.

O trabalho em equipa multidisciplinar torna-se fulcral para que seja possível avaliar precocemente sinais de alarme de uma perturbação de neurodesenvolvimento, iniciando-se um caminho de intervenção o mais cedo possível. Uma intervenção precoce é um dos melhores preditores de evolução e adaptação da criança.

Andreia Leitão
Pediatra do Desenvolvimento. Diretora Clínica da equipa do PIN-Porto.

Carla Marques
Psicóloga do núcleo de Perturbações do Espetro do Autismo e Perturbações da Eliminação da equipa PIN-Porto.

Joana Marafuz
Psicóloga do núcleo de Perturbações do Espetro do Autismo e Perturbações da Eliminação da equipa PIN-Lisboa.

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