Título
Entrevista ao realizador Nuno Beato: “trabalhamos plano a plano”
Entrevista ao realizador Nuno Beato: “trabalhamos plano a plano”
Entrevista a Nuno Beato
Desde cedo que Nuno Beato “desenha bonecos”. É da sua responsabilidade a realização da primeira longa-metragem portuguesa em stop motion “Os Demónios do Meu Avô”. Esta coprodução internacional tem Trás-Os-Montes como cenário, tendo sido nomeado para a 37.ª cerimónia dos prémios Goya, na categoria de “Melhor Filme de Animação”.
Antes de “Os Demónios do Meu Avô” chegar, em 2023, às salas de cinema portuguesas, a Estrelas & Ouriços quis descobrir como tudo começou. De esboços no papel a personagens com vida no grande ecrã, o percurso de Nuno Beato foi uma jornada, cheia de surpresas.
Estrelas & Ouriços (E&O) - Sempre quis ser realizador?
Nuno Beato (NB) - Fiz o secundário na Escola António Arroio e, como dizia a minha mãe, desenhava muitos bonecos (risos). Numa fase inicial, comecei a interessar-me por banda desenhada e, entretanto, por sugestão de um professor, ingressei num curso de animação de três meses intensivos. A partir daí, apaixonei-me pela animação, onde fiquei até hoje.
E&O - O que mais o fascina na animação?
NB - Na fase inicial, foi ver as personagens que eu desenhava na ilustração ou banda desenhada ganharem vida. Parecia magia! Depois, fui avançando na animação, fazendo sempre cursos, e, mais tarde, fiz um mestrado em cinema. Depois, passei a ser produtor, a realizar filmes e voltei a apaixonar-me por esta forma de contar histórias.
E&O - Como surgiu a inspiração para “Os Demónios do Meu Avô”?
NB - Começámos esta aventura com uma ideia original, depois passámos para a escrita de guião: fiz um esboço de guião e chamei um guionista para trabalhar comigo, o Possidónio Cachapa. Começámos, então, a desenvolver mais o guião, a procurar o sítio onde se passaria o filme, ir ao local e fazer investigação.
E&O - Sobre o que trata esta longa-metragem?
NB - “Os Demónios do meu avô” fala dos demónios que às vezes criamos nas nossas cabeças, da raiva que vamos guardando, da distância que criamos do outro. A história centra-se na Rosa, que é viciada em trabalho e que, de repente, tem um burnout. O seu avô morre e ela precisa de parar, de voltar às origens e pensar um pouco na vida e na necessidade que temos do outro. No fundo, é um filme que fala de relações humanas e das gerações, ótimo para ver em família.
E&O - Porque escolheu Trás-Os-Montes como cenário?
NB - Quando criámos a história, tendo em conta a narrativa, queria que se passasse numa zona distante da cidade, isolada. Como gostava que a personagem vivesse nas montanhas, uma zona fria e dura, acabei por ir parar a Montesinho.
E&O - Quais as técnicas que utilizou e porquê?
NB - Quando procuro a técnica para fazer um filme, espero que a narrativa me leve até ela. Neste caso, há dois momentos da Rosa, com diferentes estados de espírito – a sua forma de estar na cidade e quando chega à aldeia. Marquei isso também pelo grafismo, ao início com cores mais simples e mais lisas, cinzentas, e depois entra o barro, cheio de textura e com uma ligação à terra e às cores mais quentes, para contrastar.
E&O - Porquê o aspeto de barro?
NB - O aspeto de barro veio quando descobri que para representar os demónios era interessante ir beber da nossa cultura. Foi assim que fui parar à Rosa Ramalho, ao figurado do barro e à cerâmica. Aliás, esta escultora serviu de inspiração para o nome da personagem principal.
E&O - Como tem sido o feedback ao filme no estrangeiro?
NB - Até agora tem sido muito positivo. O filme mostra muito a identidade portuguesa – até me questionam se o fiz com base em alguma lenda portuguesa. Já esteve em França, Espanha, Coreia, na Bélgica, Holanda, Canadá, entre outros. Tem estado a fazer circuitos de festivais. A estreia comercial, nas salas de cinema, já aconteceu em França, segue para Espanha e depois em Portugal, no início do próximo ano.
E&O - Como é o seu dia a dia?
NB - Todas as fases do filme são diferentes. Depende muito dos momentos. Há dias que passo a desenhar o storyboard; nas filmagens dão-se os momentos mais ativos e que puxaram muito pela equipa, já que estávamos com 16 sets (espaços de filmagem) ao mesmo tempo. Pode também haver dias em que estamos no estúdio, a fazer as vozes ou a trabalhar com os atores. Nunca é igual, embora cada fase seja muito demorada, trabalhamos plano a plano.
E&O - O filme originou também uma exposição…
NB - Os cenários e as personagens estiveram em exposição no Museu da Marioneta, no âmbito da MONSTRA Festival, depois no Cinanima, em Espinho, e pretende-se que seja itinerante. É uma pena fecharmos estas coisas em caixas e as pessoas não as poderem ver, já que não temos um museu da animação. São mais de dois anos a trabalhar, com mãos muito talentosas e uma equipa fantástica.
E&O - Quantas pessoas estão envolvidas nesta coprodução internacional?
NB - Se considerarmos a produção toda, estamos a falar à volta de 150/200 pessoas em diferentes momentos. Tínhamos equipa em Portugal, Espanha e França.
E&O - Que profissões estão ligadas ao cinema de animação?
NB - São muitas, a animação vai desde a escrita, à investigação, o desenho, o som, a música, a programação, a fotografia, a apresentação, a produção, e todos os outros serviços que qualquer escritório comum pode ter. É, de facto, muito abrangente.
E&O - Quais são os filmes da sua vida?
NB - Há filmes que me marcaram em diferentes fases da vida. Gostei muito do “Fight Club”, da “Princesa Mononoke”, de “Little Otik (Otesánek)”, do realizador Jan Svankmajer, “The Others”. Há vários!
grid
Para usufruir deste desconto apresente esta página.
Fique a par, todas as semanas, dos melhores programas e atividades para fazer com os mais novos