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Ainda valerá a pena escrever?
Ainda valerá a pena escrever?
Opinião | Leonor Chaveiro Duarte Ribeiro, Técnica Superior de Educação Especial e Reabilitação
O poder da escrita foi conquistado pela humanidade e, tanto em termos filogenéticos, como ontogenéticos parece ser uma conquista de elevado valor social, cultural e evolutivo.
Desde as gravuras pré-históricas, aos primeiros sistemas de escrita que surgiram no Oriente há mais de 5 mil anos, até aos livros digitais, está inerente a intencionalidade da comunicação e de preservar o conhecimento. Além disso, parece existir uma propensão natural para comunicar através da escrita: os bebés, assim que conseguem, garatujam nas paredes ou no papel e sentem-se orgulhosos quando as suas mensagens são descodificadas pelos outros.
Esta vontade de comunicar com os outros da forma socialmente esperada é valorizada na escola, mas também ocorre de forma rebelde com as assinaturas dos graffiters, dos escritos de casa de banho e nas secretárias da sala de aula, bem como em alfabetos indecifráveis nas paredes das cidades.
Estas inscrições já ocorriam nas runas viking nas catedrais medievais, nas inscrições em paredes públicas romanas e em murais revolucionários. É algo que parece intemporal, esta necessidade de deixarmos a nossa marca escrita.
A escrita é um veículo privilegiado de comunicação e que também reflete o nível de literacia de uma sociedade. Nos últimos 200 anos a alfabetização expandiu-se significativamente e a produção de documentos escritos aumentou de forma substancial.
A grande revolução do mundo moderno na escrita está associada à mecanização do processo de escrita, inventando-se instrumentos que facilitam esta tarefa. Apesar da revolução que a imprensa causou, com a capacidade de replicar um número indefinido de cópias, usando como suporte o papel, na época, não reduziu o peso da longa tradição de escrita manual, mantendo-se a produção manuscrita da maioria dos documentos.
Na segunda metade do século XX houve uma nova revolução na escrita, a passagem do suporte material ao virtual. A escrita, que ao longo dos séculos tinha sido aplicada na pedra, no metal, na cerâmica, no papiro, no pergaminho ou no papel, passou para as memórias magnéticas e a ser projetada em ecrãs. Estas novas realidades ameaçam a tradição do manuscrito, que se confina cada vez mais a atos esporádicos. No entanto, é curioso que apesar de ainda ser possível ler um manuscrito copiado há mais de 10 séculos, o mesmo não acontece com uma cassete ou uma disquete de há apenas alguns anos.
Na atualidade existe algum ceticismo e desvalorização em torno da relevância da escrita manual, inclusive por parte de docentes. No entanto, quando existem dificuldades na escrita e se os resultados em provas nacionais e internacionais for negativo, continua a ser motivo de alarme e de preocupação. No mercado de trabalho as competências de escrita também continuam a ser valorizadas, bem como as perceções que criamos acerca das qualidades de quem escreve, baseando-nos na sua escrita.
A investigação tem apoiado a ideia de que a leitura promove as competências de escrita e a escrita é igualmente promotora de melhores competências de leitura. Mas será que utilizando a tecnologia os benefícios são os mesmos? Será que a escrita manual tem um papel importante no desenvolvimento e nas aprendizagens ou pode ser totalmente banida, sem qualquer prejuízo?
Existem alguns argumentos válidos sobre os quais devemos refletir antes de abolirmos com esta competência. A escrita manual tem um papel social, a escrita manual, como o tomar notas nas aulas ou numa conferência, propicia mais uma aprendizagem consolidada, do que a escrita digital. O processo de escrita manual permite criar mapas mentais com mais facilidade, a interiorização e compreensão do próprio sistema alfabético é mais facilmente adquirida pela escrita manual e não digitalmente, a escrita manual ativa certas áreas cerebrais e estimula o desenvolvimento cognitivo e criatividade, ou seja, o pegar na caneta para escrever tem impacto não só em termos de literacia, como em diversas disciplinas curriculares, bem como no desenvolvimento físico e motor (postura, coordenação, ritmo).
Naturalmente o ensino deve acompanhar a evolução tecnológica, não deve ser um contentor hermético no tempo, que não se adapta aos novos contextos, devendo por isso existir um equilíbrio.
Devemos tirar partido dos novos equipamentos e dispositivos de escrita, conciliando o impresso e os media digitais para incentivar a escrita, enquanto forma de expressão, interação e de comunicação. A escrita manual não deve ser uma barreira para a expressão criativa e comunicativa, a digital por vezes pode servir de compensação, mas também não se deve assumir como uma regra, que para todos é mais facilitador utilizar a via digital.
Deve-se ter ainda em consideração que a utilização preferencial da escrita digital pode potenciar mais desigualdades sociais, pelo que tem de ser garantido o acesso de todos a esta literacia digital.
Numa era digital, a escrita manual pode parecer insignificante e em desuso. Os computadores, tablets, smartphones são a forma de comunicação escrita com maior preponderância. No entanto, conseguir escrever de forma legível, organizada e sem erros, utilizando uma caneta ou um lápis, continua a ser uma competência que favorece o sucesso académico, profissional e pessoal.
A escrita manual ainda tem um papel relevante para organizarmos os nossos pensamentos, factos e observações. Portanto, a ideia chave para não cairmos em extremismos deve ser fornecer competências e ferramentas que permitam ser-se eficiente na utilização de uma caneta ou de um teclado e que permitam saber-se escolher a ferramenta certa para a tarefa a realizar.
Técnica Superior de Educação Especial e Reabilitação, Doutorada em Estudos da Criança, especialização em Educação Especial
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