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Como contar às crianças que um familiar tem cancro?
Como contar às crianças que um familiar tem cancro?
Opinião | Sónia Gaudêncio, Psicóloga Clínica e Diretora da ESTIMA +
Infelizmente, sabemos que um diagnóstico de uma doença grave, como o cancro, tem sempre impacto na vida do doente e dos seus familiares. Já por si, é difícil aceitar que se tem a doença sendo que, quando existem crianças no seio familiar, o processo de adaptação à doença é ainda mais desafiante, podendo aumentar os níveis de stress nos adultos e criar eventuais problemas emocionais e comportamentais nas crianças. Por isso mesmo, e por muito que seja difícil falar com as crianças sobre isso, é importante ter esse diálogo, visto que elas são muito sensíveis às mudanças e facilmente se apercebem que algo está diferente e precisam perceber o que está a acontecer.
Não saber nada, muitas vezes, gera ainda mais ansiedade, inseguranças e fantasias. Evita-se esta conversa com as crianças, para as poupar ao sofrimento, mas é impossível “esconder” que um familiar direto tem cancro. As consequências da própria doença e dos tratamentos, inevitavelmente, vão ser visíveis.
Mas nestas alturas, muitas são as dúvidas que se colocam.
Obviamente, tudo depende dos recursos cognitivos da criança, que não têm só a ver com a sua faixa etária, mas também com o seu nível de desenvolvimento, quer emocional, quer psicológico.
São muito diferentes as explicações dadas a uma criança de 3 anos, a crianças entre os 3 e os 8 e aos pré-adolescentes ou adolescentes.
A conversa deve ser tida por alguém próximo da criança, que se “prepare” para a mesma e que a faça da forma, mais serena e tranquila possível. Estando disponível para responder às questões que possam surgir.
Com os mais velhos pode-se partir do que já sabem sobre o cancro, até para desmistificar ideias erradas que possam ter acerca da doença.
Com os mais pequenos, pode ser útil recorrer aos livros que já existem, como por exemplo “Os superpoderes da Júlia” que é um audiolivro infantil da Liga Portuguesa Contra o Cancro com o apoio da MSD, cujo objetivo é precisamente ajudar as famílias a explicarem às crianças o que é o cancro, qual o impacto no dia a dia da família e até mesmo de que forma podem ajudar a fazer a diferença.
Obviamente, não podem reverter a doença, mas podem ajudar dando mimo e carinho a quem está doente, tendo paciência e percebendo a falta de disponibilidade, fazendo um desenho para animar, ajudando em algumas tarefas domésticas que estejam acessíveis às suas capacidades.
Não se deve dar demasiada informação, sendo preferível fazer uma explicação simples e clara e esperar pelas perguntas e dúvidas das crianças.
É importante explicar que alguém da família (pai, mãe, avós) está doente, dizer o nome da doença (não vale a pena esconder, pois cria ainda mais tabus sobre o cancro), dizer onde se localiza, explicar o que irá mudar em termos das rotinas familiares (as idas ao hospital de quem está doente, a eventual menor disponibilidade financeira).
É igualmente importante explicar quais os tratamentos que serão feitos e que poderão ter algumas consequências (ex.: a queda do cabelo, que depois voltará a crescer; o cansaço e má-disposição; a menor disponibilidade para brincar com a criança), mas que irão ser feitos para lutar contra a doença.
Deve ser passada uma mensagem de esperança de que o cancro não é sinónimo de morte, pois há muitos investigadores e médicos a desenvolver novas formas de tratar o cancro e que, independentemente do resultado, a criança nunca ficará sozinha. Obviamente, só devem falar disto, caso as crianças já tiverem esta noção de que o cancro pode matar. Muitas vezes, são mesmo elas que fazem a pergunta: “Isso quer dizer que vais morrer?”. Pergunta extremamente difícil de responder, principalmente para quem está a passar pela doença, mas que não deve ficar sem resposta, mesmo que seja “Vou fazer os possíveis para que isso não aconteça. É por isso que vou fazer estes tratamentos.”.
É essencial tentar manter ao máximo a rotina das crianças, pois isso transmite-lhes segurança. Importante também desmistificar possíveis culpas e inseguranças que possam sentir. Às vezes, as crianças mais pequenas acham que é porque se comportaram mal que o pai/mãe ficaram doentes. Ou podem afastar-se da pessoa que está doente, com medo de ficarem também. E todas estas questões são importantes esclarecer. Daí a importância desta conversa e de saberem o que é o cancro (ex.: “O nosso corpo é formado por muitas de células que têm funções diferentes.
Normalmente, quando as células cumprem a sua função, morrem e são substituídas por outras, mas às vezes, o nosso corpo não as consegue matar, elas continuam a existir juntamente com as que nasceram para as substituir e formam um tumor. Este tumor pode ser dos “bons” (benignos) ou pode ser dos “maus” (malignos). Quando o tumor é maligno, as células começam a espalhar-se por outras partes do corpo, atingindo outros órgãos e tecidos. E isso é o cancro. Mas como vês, não é como as constipações que são contagiosas.”)
É fundamental manter o canal de comunicação aberto para que, a qualquer altura, possam colocar as suas dúvidas, partilhar o que estão a sentir. Devem mesmo incentivá-las a partilhar os seus sentimentos, ou convosco ou com outro adulto de confiança. Validem sempre os seus sentimentos. É normal ter medo perante uma situação destas, é normal ficar triste, confuso, até mesmo revoltado porque aconteceu esta doença na sua família. Em conjunto, e apoiando-se uns aos outros poderão ir aprendendo a lidar com todos estes sentimentos e quando for demasiado difícil, é importante pedir ajuda externa a outros familiares e amigos, ou ajuda especializada.
Também é importante contar aos professores o que se está a passar, até para que possam estar atentos a eventuais sinais de alerta de que a criança possa precisar desse tal apoio especializado a nível psicológico.
- Mudanças de comportamento (maior agressividade ou irritabilidade ou ainda maior passividade e isolamento dos outros);
- Alterações súbitas de humor;
- Alterações no desempenho escolar;
- Alterações no apetite;
- Alterações no padrão de sono;
- Regressão e perda de capacidades já adquiridas (ex.: voltar a fazer xixi na cama; recorrer novamente à chucha; falar à bebé; fazer birras);
- Comportamentos autodestrutivos;
- Maior ansiedade, medos e fobias.
A luta contra um cancro é, sem dúvida, uma fase difícil no ciclo de vida de qualquer família, envolvendo muitos sentimentos ambivalentes e a necessidade de adaptação a muitas mudanças. O essencial é que as famílias não se isolem, não se sintam sozinhas. Não hesitem em pedir ajuda. Consultem o site da Liga Portuguesa Contra o Cancro que tem informação clara, objetiva e fidedigna.
E dentro do possível, promovam momentos de distração em família, encorajem as vossas crianças a continuarem a brincar e a divertirem-se, nunca se isolando e mantendo sempre uma atitude positiva e de Esperança (percebendo, no entanto, que também é natural que haja momentos em que isso não aconteça.).
Para quem, efetivamente, está a lutar contra o cancro, votos de uma boa recuperação!
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