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As máscaras da Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção: os fatores de proteção e o que podem esconder
As máscaras da Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção: os fatores de proteção e o que podem esconder
Opinião | Marta Duarte, Psicóloga Cínica
A Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) é uma Perturbação do Neurodesenvolvimento, o que quer dizer que pertence a um grupo de perturbações que tem início durante o período de desenvolvimento, e que induzem deficits que causam perturbação no funcionamento da pessoa nas dimensões pessoal, social, e académica ou profissional.
Esta perturbação é caracterizada por um padrão persistente de desatenção, hiperatividade e/ou impulsividade. A PHDA tem o seu início na infância, mas frequentemente os sintomas permanecem durante a adolescência e idade adulta.
É comum ocorrer o diagnóstico durante os primeiros anos de escolaridade quando as crianças evidenciam sinais de comportamento disruptivo como por exemplo, agitação ou impulsividade excessivas (levantam-se quando não é suposto, não respeitam a vez ou interrompem frequentemente), ou quando têm dificuldades de aprendizagem decorrentes dos sintomas da PHDA, e que afetam o seu rendimento escolar.
Existem fatores que poderão adiar o diagnóstico, levando a que os sintomas não tenham um impacto negativo numa determinada fase do desenvolvimento.
Estes são chamados de fatores de proteção, porque atenuam ou modificam a expressão dos sintomas da perturbação, promovendo uma adaptabilidade positiva, e podem ser de natureza pessoal, social/comunitária e familiar.
Um dos fatores pessoais é o perfil cognitivo, ou seja, o chamado QI. Pessoas com um perfil cognitivo elevado aprendem com facilidade e rapidez, pelo que em muitos destes casos a escola é relativamente fácil, não gerando preocupação no contexto escolar e no contexto familiar.
No entanto ouvem com frequência “podias ser muito melhor, tens um potencial enorme, só não és melhor porque não estudas mais!”, ou exibam grande desorganização com os seus espaços e pertences (tem sempre coisas espalhadas no quarto e não arruma, o material escolar pode ser caótico), ou não saibam gerir o tempo e planificar (deixa as obrigações para a última e faz apenas o que lhes desperta interesse, esquece-se de fazer os trabalhos ou faz à última da hora). A desvalorização destas lacunas no funcionamento executivo e a valorização do bom rendimento académico é frequente nestes casos porque não causa um impacto muito negativo.
Em paralelo, outro fator de proteção que se verifica com alguma frequência, principalmente durante o primeiro ciclo, é a estrutura que envolve a criança e a natureza das atividades e tarefas escolares. Estas são por inerência da fase de desenvolvimento mais lúdicas, as rotinas encontram-se muito bem definidas na escola, o professor acompanha mais de perto a criança, na sala de aula tudo está bem estruturado e existem muitas pistas de funcionamento e monitorização (regras que estão expostas numa parede, os trabalhos e as tarefas são escritos nos cadernos individuais). Em casa, os pais tendem a acompanhar mais de perto a atividade escolar dos filhos, seja na realização de trabalhos e no estudo acompanhado, ou nas rotinas definidas e monitorizadas. Muitas vezes este apoio e estrutura que os pais fornecem prolonga-se para além daquilo que seria expectável, por exemplo durante o segundo e terceiro ciclos continuam a estudar com os filhos, são eles que gerem o calendário escolar, e organizam-lhes o material. Talvez porque em muitos casos se apercebam de que existem estas fragilidades e queiram colmatá-las para que não haja insucesso.
Com o avançar da escolaridade, a complexificação progressiva do currículo, o aumento da autonomia nas diversas áreas de funcionamento, e a concomitante necessidade de uma maior competência ao nível do funcionamento executivo, os sintomas ganham outra expressão emergindo as fragilidades inerentes. Estamos a falar da dificuldade em estudar durante períodos mais prolongados de tempo, ou a dificuldade em planear e gerir o tempo, dando prioridade aquilo que é mais gratificante ou que não implica um esforço cognitivo e atencional tão elevado.
Não são raros os casos em que na prática clínica aparecem os pais com filhos a frequentar o terceiro ciclo ou o secundário, e que referem “o meu filho era aluno de 4 ou 5 e agora desceu para 3 e até já teve algumas negativas!”. Noutros casos surgem jovens que já frequentam a faculdade e tendo sido alunos de algum sucesso durante a escola ficam surpreendidos com os baixos rendimentos, ou têm mesmo dificuldade em progredir ou finalizar o curso. Isto sucede porque ou perderam a sua “base de apoio”, sendo agora obrigados a gerir autonomamente a sua vida de estudante, ou simplesmente porque têm dificuldade em dedicar-se ao estudo da forma frequente e intensiva que este nível já exige. Noutros casos, ainda, o diagnóstico pode só surgir na idade adulta, por via de dificuldades na adaptação às exigências do mundo do trabalho, da gestão familiar, ou mesmo de fatores emocionais que podem decorrer dos sintomas da PHDA.
Ao longo da vida muitas pessoas foram adotando estratégias compensatórias que as tornam mais funcionais, mas não as isentam de sofrimento psicológico, tornando-as permeáveis ao desenvolvimento de comorbilidades como a ansiedade, a depressão ou mesmo o burn out.
Nestes casos de diagnóstico tardio os sintomas da PHDA não apareceram de repente, sempre estiveram lá, mas estavam resguardados por estes fatores que protegeram o indivíduo numa determinada fase, mas que perderam o seu efeito numa outra fase, em que as exigências e caraterísticas do contexto recrutam recursos cognitivos e emocionais que a pessoa não tem, ou para os quais não desenvolveu estratégias. Para um diagnóstico correto há então que procurar estes fatores.
Psicóloga Clínica
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